terça-feira, 20 de setembro de 2011


Análise de “São Bernardo”
A literatura se apresenta “tão plantada na realidade, na vida, quanto empenhada em revelar-lhes os aspectos mais esquivos à nossa compreensão” (Souza, 1987: 69). Com esta finalidade, os autores modernistas da década de 30 – segunda geração – elaboraram uma literatura mais politizada, centrando a preocupação social, aproveitando as conquistas da primeira geração. Esta incorporou ao Modernismo várias tendências artísticas (Expressionismo, Cubismo, Futurismo, Surrealismo, etc.). Influenciada por diferentes correntes estéticas, a arte moderna agrupou diversas características, e na literatura foram introduzidas outras“produções culturais, entre elas, por exemplo, as demais artes” (Souza, 1987:66). Este “diálogo” entre as artes teve importância fundamental na construção de obras literárias comprometidas com a denúncia das verdades sociais e políticas da época. Neste contexto, Graciliano Ramos foi o maior representante da prosa da segunda fase modernista. Aderindo à crítica social, ele utilizou-se das complexas discussões ideológicas em voga na época (capitalismo x socialismo), influenciadas pelo Marxismo. No livro São Bernardo, Graciliano coloca frente a frente estas duas posições: o capitalismo, na figura de Paulo Honório; e o socialismo, na figura de Madalena. Apesar da importância que dá à crítica social, Graciliano não deixa de lado as tentativas de desvendamento dos mecanismos da alma humana, empregando técnicas de Psicanálise (também bastante difundidas no período). Os romances de Graciliano se passam no sonho, “os hiatos nas recordações, a carga de acontecimentos insignificantes com fortes afetos inexplicáveis, eis a própria técnica do sonho, no dizer de Freud.” (Carpeaux, 1943). Os autores modernistas também dispunham de outra fonte de recursos culturais: “todos eles aludem à absorção pelo romance das técnicas cinematográficas (montagens, cortes bruscos, simultaneidade)” (Leite, 1987:74). É assim que, nos textos de São Bernardo, Graciliano apresenta monólogos interiores densos e repletos dessas técnicas: “Rumor do vento, dos sapos, dos grilos. A porta do escritório abre-se de manso, os passos de seu Ribeiro afastam-se. Uma coruja pia na torre da Igreja. Terá realmente piado a coruja? Será a mesma que piava há dois anos?” (pág.102). Esta liberdade de expressão, a destruição dos nexos, o fluxo da consciência (monólogo interior, sem obediência à normalidade gramatical), são algumas das características do Modernismo. “A literatura tornou-se cada vez mais subjetiva e interiorizada” (Coutinho, 1978). Exemplo disso é todo o capítulo dezenove de São Bernardo, onde objetividade e subjetividade se confundem. O uso da linguagem coloquial foi recurso amplamente propagado pelos modernistas. Em toda sua obra, Graciliano Ramos “beneficiou-se amplamente da“descida” à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e sintáticos” (Bosi, 1994:384): “– Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá ninguém que fale dessa forma!” (pág. 07). Muitas destas características são, na realidade, recursos empregados na tentativa de incorporar o cotidiano na literatura. Os “assuntos sublimes” de outras épocas cedem espaço ao diário, ao grosseiro, ao vulgar: “a seleção do material inclui todos os motivos e assuntos, mesmo os abjetos e vis” (Coutinho, 1978). Os autores modernistas buscam com suas obras, a conscientização dos problemas sociais da realidade brasileira. As obras literárias das décadas de 30 e 40 constituem exemplos da real finalidade da literatura. Milena – nº. 30 Bibliografia: BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. CARPEAUX, Otto Maria. Visão de G.R. In: - Origens e fins. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1943. COUTINHO, Afrânio. Coleção Fortuna Crítica: Graciliano Ramos; Seleção de Textos, Sônia Brayner. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo: Ática, 1987. RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Record, 2000. SOUZA, Roberto Alízelo de. Teoria da Literatura; São Paulo: Ática, 1987. 

Análise de “Caetés”
            Primeiro romance de Graciliano Ramos, Caetés dá a impressão, quanto ao estilo e análise, de deliberado preâmbulo; um exercício de técnica literária mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros posteriores. Publicado em pleno surto nordestino (1933), contrasta com os livros talentosos e apressados de então pelo cuidado da escrita e o equilíbrio do plano. Dá idéia de temporão, de livro nascido aos dez meses, espiritualmente vinculado ao galho já cedido do pós-naturalismo, cujo medíocre fastígio foi depois de Machado de Assis e antes de 1930. Nele, vemos aplicadas as melhores receitas da ficção realista tradicional, quer na estrutura literária, quer na concepção da vida.
            Graciliano foi mais regionalista - ou provincianista - neste romance.
O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o Autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656)) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival.
            Neste romance, é forçosa a aproximação entre Graciliano Ramos e Eça de Queiros, nas notações irônicas sobre o meio provinciano de Palmeiras dos Índios, cidade alagoana da qual Graciliano foi prefeito.
Foco narrativo
Narrado em primeira pessoa, por João Valério. 

Ação / Espaço
A ação desenvolve-se em Palmeira dos Índios.

Temática
            Caetés tem uma riqueza temática que poucos romances brasileiros de seu tempo têm. Note-se, nesse sentido, que a figura de João Valério representa a problematização, em alto grau de complexidade, do ambíguo papel do intelectual naquele momento em que o país passava por fortes transformações. Alguns críticos viram um sinal de grandeza de caráter nas inclinações intelectuais desse medíocre guarda-livros que colabora no jornal editado pelo padre da cidade e que durante cinco anos luta para concluir um romance sobre os índios caetés sem nunca conseguir sair do segundo capítulo.

Enredo
            João Valério, o personagem principal, introvertido e fantasioso, apaixona-se por Luisa, mulher de Adrião, dono da firma comercial, onde trabalha. O caso amoroso é denunciado por uma carta anônima, levando o marido traido ao suicídio. Arrependido, e arrefecidos os sentimentos, João Valério afasta-se de Luisa, continuando, porém como sócio da firma. O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival. João Valério é ao mesmo tempo, homem e selvagem: "Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. É eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha com algumas diferenças."

            A atmosfera geral do livro se liga também à lição pós-naturalista, onde encontramos a celebração dos aspectos mais banais e intencionalmente anti- heróicos do quotidiano. A intenção do autor parece ter sido horizontalizar ao máximo a vida dos personagens, as relações que mantém uns com os outros. Exceto o narrador, João Valério, os demais são delineados por meio de aspectos exteriores, em que se vão progressivamente revelando. O autor não apenas procura conhecê-los através do comportamento, como se revela amador pitoresco da morfologia corporal, definindo-lhe o modo de ser em ligação estreita às características somáticas: fisionomia, tiques, mãos, papada de um olho esbugalhado de outro, barbicha de um terceiro. Apresenta-os por esta edição de pequenos sinais externos, completando-os aos poucos no decorrer do livro, não sem alguma confusão, que requer esforço do leitor para identificar os nomes chamados à baila. E assim vemos de que modo a minúcia descritiva do naturalismo colide neste livro com uma qualidade que se tornará clara nas obras posteriores: a discrição e a tendência à elipse psicológica, cujo correlativo formal é a contenção e a síntese do estilo. "Com a pena irresoluta, muito tempo contemplei destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio, idealizara um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles. E outro: dezoito linhas de letra espichada, com emendas." A vocação para a brevidade e o essencial aparece aqui na busca do efeito máximo por meio dos recursos mínimos, que terá em São Bernardo a expressão mais alta. E se Caetésainda não tem a sua prosa áspera, já possui sem dúvida a parcimônia de vocábulos, a brevidade dos períodos, devidos à busca do necessário, ao desencanto seco e humor algo cortante, que se reúnem para definir o perfil literário do autor.

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